Se você tem pensamentos
suicidas e o seu psicólogo está aplaudindo o decreto recém publicado que
facilita a aquisição de armas no Brasil, afaste-se desse psicólogo!
Sinceramente, de uma
página que tem por objetivo um trabalho educativo de conscientização para a
prevenção do suicídio, que posição se esperaria? Apoio para essa medida? Se
assim fosse feito, no mínimo, o administrador da página estaria faltando com a
verdade aos seguidores, por não encarar com rigor e seriedade o que diz a
ciência.
A ciência, entendem?
Prevenção do suicídio não
é opinião com viés político-ideológico de esquerda, de centro ou de direita ou
o que um indivíduo acha ou deixa de achar. Uma das opiniões mais recorrentes é
a que ‘Ah, mas se não tivessem armas fariam de outra maneira'. Ou, ainda,
“vamos proibir a venda de corda, remédio e produtos tóxicos, então”. O que
acontece é que prevenção do suicídio se pauta no que dizem os estudos
sistemáticos e as evidências científicas sobre o tema e, por conseguinte, os
resultados de inúmeros estudos são categóricos em concluir sobre a ligação
entre uma maior presença de armas de fogo no ambiente familiar com um maior
número de suicídios. Novamente, a ciência, entendem?
Não vamos entrar aqui na
questão dos principais métodos utilizados no Brasil e no mundo, apenas
ressalvar que esses métodos mais frequentemente usados para o suicídio variam
segundo a cultura e segundo o acesso que se tem a eles, e, embora o uso de
armas de fogo possa ainda não ser o principal meio de acometimento de suicídios
no Brasil, (por conta da legislação restritiva que vigorava) é, no entanto, o
mais letal. Por isso, o fato de uma política de redução de acesso a armas de fogo ocupar
um lugar de destaque entre as recomendações da Organização Mundial da Saúde
para a prevenção do suicídio. Recomendações que consideram a restrição de
acesso a meios utilizáveis, como limitar o acesso a pesticidas e a colocação de
barreiras em pontes como um elemento-chave na prevenção suicídio. https://www.who.int/mental_health/suicide-prevention/exe_summary_spanish.pdf?ua=1
Qualquer psicólogo quando
recebe em seu consultório uma pessoa que traga como conflito a intenção do
suicídio, sabe que uma das primeiras providências a serem tomadas consiste em
buscar o apoio dos familiares para retirar do acesso os meios para que o
suicídio se concretize: remédios, facas, produtos de limpeza, etc, e o que é
uma tarefa extremamente delicada e difícil para o profissional e para a
família. Mas é exatamente esse um dos desafios que enfrentam os profissionais
que se dão a tarefa da prevenção do suicídio.
Segundo Botega, no
Brasil, a própria casa é o cenário mais frequente de suicídios. Temos
assistido, em nosso país e no mundo o aumento dramático nas taxas de suicídios
em jovens, meninos e meninas de 10, 12, 14 anos tirando a vida. De acordo com
vários estudos discutidos pelo Dr. David A. Brent da Universidade de
Pittsburgh, e co-fundador e diretor do Serviço para Adolescentes de Risco na
Pennsylvania, “existe um risco 30 vezes maior de suicídio em adolescentes se
existe uma arma de fogo em casa. Uma arma em casa se mostrou como o maior fator
de risco de suicídio para menores de 16 anos, comparados com aqueles maiores de
16, mesmo para aqueles sem doença mental identificável.”
Estudos sistemáticos
citam que, por exemplo, nos EUA, regiões que adotaram leis mais duras quanto à
compra de uma arma de fogo ajudaram consideravelmente a frear os índices de
suicídio nessas regiões. “Já um estudo publicado em setembro de 2018 no Journal
of Health Economics mostrou que a diminuição da prevalência de armas de fogo
entre a população na Suíça está diretamente associada à diminuição nas taxas de
suicídio por armas de fogo e total. Para uma diminuição de 1000 armas de fogo
para cada 100 mil habitantes, os autores do estudo encontraram que houve uma
diminuição de 9% nas taxas de suicídio via essas armas, mas nenhuma variação no
número de suicídios via outros métodos.” https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0167629618301346
Conclusão, não é o nosso
propósito debater se a disseminação da posse de armas de fogo é uma estratégia
correta ou não de segurança pública. Nossa questão é outra. Trata-se de
trabalharmos a fim de prevenir e evitar que a epidemia do suicídio que já ceifa
32 vidas diariamente no Brasil, se transforme numa tragédia ainda maior. E na
medida que as inúmeras pesquisas mostram a prevalência de armas de fogo nos
lares com o maior número de suicídios, isso indica que o Brasil fez uma escolha
de caminhar na contramão da prevenção do suicídio.
Infelizmente o decreto já
está posto, assinado. O que é possível, então, fazermos? Uma orientação: se
você tem pensamentos suicidas e o seu psicólogo está aplaudindo o decreto que
facilita a aquisição de armas no Brasil, afaste-se desse psicólogo, pois a
posição desse especialista será, no mínimo, ambígua e vacilante – quando precisa
ser firme e categoricamente contrário – caso você ou algum familiar tiver uma
arma de fogo em casa ou considerar comprar uma para segurança pessoal; pois,
afinal, ele é favorável a essa medida.
Quanto as opiniões sobre
o tema, repetindo um autor desconhecido: todos têm o direito de ter a sua
própria opinião, mas ninguém tem o direito de ter seus próprios fatos.
Portanto, que cada um fique com a sua. A página fica com a ciência.