sexta-feira, 14 de abril de 2017

Eu assisti '13 Reasons Why' e recomendo que você assista


A exibição pelo canal Netflix do seriado ‘13 Reasons Why’, já amplamente divulgado pelos meios de comunicação, gerou intensa polêmica com uma quase avalanche de artigos com opiniões de especialistas, ou não, sobre a validade da exibição, na forma como foi produzido e abordado o tema central da série: o suicídio de uma adolescente. E outra avalanche de comentários seguiram a publicação desses artigos, com pontos de vistas favoráveis ou contrários aos argumentos apresentados e defendidos nesses artigos.
Esse texto também defende um ponto de vista e me vi na obrigação de escrevê-lo para contrapor as ideias dos que foram contrários à exibição da série. Como um estudioso do tema do suicídio, como um psicólogo que em consultório atende preferencialmente pacientes com histórico de suicídio, por tentativas feitas ou mesmo ideação, por ser um dos administradores de uma página do facebook (https://www.facebook.com/PrevencaoDoSuicidioBrasil/) para onde convergimos a publicação de vários artigos sobre a série e recebemos inúmeros comentários e mensagens, nos caberia tomar uma posição.
Os contrários à exibição se baseiam num argumento central: o efeito Werter e a ideia de que pode funcionar como um gatilho para adolescentes, ou qualquer pessoa, mais fragilizados e que estejam vivenciando as questões abordadas na série. Enfim, a série teria o efeito de um perigoso e trágico contágio, estimulando outros ao suicídio e agudizando um problema que já é tão extremamente grave.
Meu Deus! Eu pergunto: O que pode ser mais grave do que está acontecendo hoje, aqui, agora? O que pode ser mais trágico do que um suicídio ocorrendo a cada 40 segundos e uma tentativa de suicídio a cada 3 segundos, no mundo? Isso se não levarmos em conta que as estatísticas que indicam causa morte de suicídio são bastante subestimadas. O que pode ser pior do que o suicídio ser a segunda causa de morte entre adolescentes e jovens na idade de 15 a 29 anos e a terceira causa de morte entre crianças de 10 a 14 anos?
Veja bem, são mães, pais, irmãos e irmãs, filhos e filhas, tios e tias, avós, amigos e amigas, pessoas, pessoas e pessoas e não números frios que se somam diariamente às estatísticas de suicídio. Ora, como podemos achar que a exibição de uma série de TV que cruamente, concordo, aborda o tema possa exercer o papel de tornar essa tragédia pior? Como podemos aceitar que essa situação possa ficar pior? COMO PODEMOS ACHAR QUE AINDA NÃO ESTAMOS NA PIOR?
Sim, é somente considerando que já estamos no fundo do poço e que já estamos no pior mundo possível quando se trata do problema do suicídio é que podemos partir para um outro enfrentamento da questão.
Até aqui todas as estratégias utilizadas mostram-se limitadas. “De fato, algum tipo de depressão é quase ubíquo naqueles que se matam. Cerca de 30 a 70% de pessoas que se matam são vítimas de distúrbio de ânimo. A taxa é até mesmo mais alta quando a depressão coexiste com o abuso de álcool e drogas. ” (Jamison, K. R., Quando a noite cai: entendendo o suicídio, Rio de Janeiro: Gryphus, 2002). Então, para um indivíduo com um diagnóstico de transtorno depressivo maior, apresentando alta ideação suicida, que chega ao psiquiatra e ao psicólogo para tratamento, como podemos resgatar novamente sua vontade de viver e ativar suas potencialidades de saúde?
Nossos arsenais de guerra montados com a artilharia clínica da medicação pesada e da psicoterapia, infelizmente, não têm tido grande alcance, e as estatísticas não negam essa afirmação. Então, se a guerra está sendo perdida não seria mais inteligente modificarmos essas estratégias de combate focada no tratamento, para uma outra focada mais intensamente na promoção e prevenção?
O dicionário Aurélio da língua portuguesa define a palavra promoção como: ato ou efeito de promover; elevação ou acesso a cargo ou categoria superior; e o termo promover: do latim, pro-movere, ir mais além, ir para a frente; impulsionar; acionar; dar impulso a; trabalhar a favor de; favorecer o progresso de; fazer avançar; fomentar.
Já a palavra saúde à compreenderemos de acordo como foi estabelecido pela Organização Mundial da Saúde em seu documento de criação, que definiu saúde como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente como ausência de doenças ou enfermidades”. Unificando estas duas definições poderíamos conceituar, então, promoção da saúde como um processo de capacitação individual, que enfatiza o fomento dos recursos físicos, psicológicos, sociais e espirituais da pessoa em direção à integralidade de sua saúde.
O que quero dizer é que séries, filmes, vídeos, livros, páginas do facebook, campanhas na televisão, documentários, notícias, artigos que divulguem a temática do suicídio – sempre dentro da lógica expressa pela OMS que esclarece como o assunto deve ser veiculado na mídia, com bom senso ou com a consultoria de profissionais de saúde – devem ser sim sempre comemorados e bem-vindos. Séries com ‘13 Reasons Why’ podem funcionar muito bem dentro de uma estratégia de promoção da saúde e de fomento à prevenção do suicídio. É urgente que campanhas de conscientização, sensibilização e prevenção como é feito com assuntos como o abuso sexual infantil, acidentes de trânsito ou violência doméstica se façam também para o suicídio, e se multipliquem, ampliando o debate e conferindo maior visibilidade ao assunto.
"Essa série coloca o problema na sala de visita das famílias", diz Neury Botega, professor da Unicamp e um dos maiores estudiosos do assunto, embora tecendo algumas críticas, em uma entrevista para o jornal Folha de São Paulo. Ou seja, metaforicamente, retira o problema do suicídio do quarto sombrio onde se isolam os que sofrem para a conversa da sala de visitas. E isso é muito positivo.
Nós podemos criticar a série ’13 Reasons Why’ por suas falhas, que evidentemente existem. Nós podemos silenciar e podemos desviar o olhar. Podemos desviar o olhar e solicitar que outros também o desviem. Não assistam! Mas o suicídio que está lá sendo abordado não é apenas o enredo de uma ficção exibida numa série de televisão, é um enredo trágico que vem sendo repetido por pessoas reais, na vida real. E para o que acontece na vida real em nada contribuímos ou modificamos, desviando o nosso olhar.



Se você ou alguém que você conhece está lutando com as questões abordadas neste texto, por favor, procure a ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra e ligue para o número do CVV: 141.



sábado, 8 de abril de 2017

6 Razões porque não sou uma fã de '13 Reasons Why'


Para início de conversa devo dizer que sou alguém portadora de uma doença mental e uma sobrevivente de tentativa de suicídio. Atualmente, eu sou uma advogada atuante na área de saúde mental e futura clínica. Eu li o livro “Thirteen Reasons Why”, agora transformado em filme, quando tinha em torno de 14 anos, no começo do agravamento de meus quadros de depressão e pensamentos suicidas. Eu realmente não gostei da leitura naquela época e do filme também, agora.
Eu reconheço que essa história tem tocado muita gente e que tem fornecido conforto e consolo para alguns. Sei que muitas pessoas estão realmente apreciando a Série e incentivando outros a assisti-la e a ler o livro também. Compreendam que eu não quero desencorajar aos que estão encontrando no filme elementos que possam ajudá-los com seus próprios problemas, eu quero apenas esclarecer alguns pontos negativos que a Série contém.
1. Ele simplifica o suicídio e perpetua a ideia de que o suicídio de alguém tem um culpado.
Veja, todos nós somos afetados pelo que fazemos e pelo que nos acontece. E às vezes, o que nos acontece realmente é injusto, doloroso ou mesmo traumatizante. Não estou dizendo que essas coisas não importam, porque elas nos afetam sim. Quando confrontados com as coisas abordadas em '13 Reasons Why', como bullying, boatos maldosos e estupro, elas afetam violentamente a nossa saúde mental. Mas não podemos perpetuar a ideia de que há uma conexão direta e linear para o porquê de um suicídio acontecer, apontando os dedos para os colegas, pais ou outros indivíduos como diretamente responsáveis. Isso é prejudicial. O suicídio é uma questão complexa e não pode ser compreendido colocando o ônus exclusivamente sobre alguém. Às vezes, o suicídio não tem outra razão senão a depressão intensa ou outra doença mental como a esquizofrenia, transtorno de personalidade limítrofe ou transtorno bipolar. É perturbador ver um suicídio retratado querendo que os outros se sintam culpados, em vez de se concentrar nas emoções e pensamentos da pessoa e que a levaram a tirar sua vida.
2. Ele acrescenta combustível para a fogueira dos mitos suicidas, como "todo suicida é um egoísta".
As pessoas que acreditam nos mitos nocivos sobre o suicídio podem olhar para este filme e dizer que ele confirma ou é uma "prova” do seu ponto de vista. O fato de que Hannah, a garota que morre por suicídio na história, enviar fitas pré-gravadas detalhando as razões (tanto os eventos quanto as ações das pessoas) que a levaram ao suicídio são desconfortáveis. E deve ser. A moral da história é que precisamos reconhecer que a forma como tratamos as pessoas as afeta de maneiras que nem sequer sabemos. Isso é verdade. Mas o que é desconfortável é o suicídio de Hannah ser visto como uma maneira de expor o que as pessoas fizeram com ela. Isso é bastante prejudicial para ser feito postumamente, sugerindo que o suicídio era a única maneira de fazer sua voz ser ouvida.
3. Desvaloriza experiências de suicídio e intimidação.
Nós temos visto repetidamente histórias sobre bullying que conduzem ao suicídio, mas como exatamente isso ocorre? E qual mensagem essas histórias nos enviam? Experimentar bullying é traumático e cada indivíduo lida com a intimidação a sua própria maneira. Como diz a advogada de saúde mental e palestrante Alicia Raimundo: "sua experiência de bullying é válida mesmo se você nunca tivesse sido suicida e seus sentimentos de suicídio são válidos mesmo que você nunca tenha sofrido bullying". O bullying não causa suicídio diretamente. E a Série perpetua a falsa ideia de que o resultado normal para bullying pode ser o suicídio - o que simplesmente não é verdade. Isto não quer dizer que o bullying não afeta a saúde mental ou não tenha uma grande influência sobre alguém se tornar suicida.
 4. Desconsidera as diretrizes oficiais sobre informações seguras e responsáveis ​​sobre o suicídio.
Nós sabemos que Hannah morre por suicídio. É a premissa da história e revelada desde o início. A Série seria igualmente eficaz e impactante mesmo evitando mostrar o retrato gráfico e detalhado do suicídio de Hannah, no último capítulo. O que é uma violação direta do arco de pesquisas conduzido pela Fundação Americana para a Prevenção do Suicídio e outras organizações de prevenção do suicídio, quando eles consideram que: “O risco de suicídios adicionais aumenta quando a história descreve explicitamente o método do suicídio, usa manchetes dramáticas / gráficas ou imagens e a cobertura repetida / extensa sensacionalista ou glamoriza a morte".
 5. Não aborda a doença mental na adolescência.
Nem todos os que morrem por suicídio têm doença mental, mas um transtorno mental e / ou abuso de substâncias é encontrado em 90% das mortes por suicídio. E quando se trata de adolescentes, um em cada cinco tem (ou terá) uma grave doença mental. Com essas estatísticas em mente, não é de admirar que o suicídio seja a terceira causa de morte entre crianças de 10 a 14 anos de idade e a segunda entre jovens de 15 a 34 anos. Claramente, estas são questões importantes e que precisam ser abordadas. '13 Reasons Why' é um dos primeiros e mais populares retratos da mídia sobre o tema do suicídio na adolescência e não abordou em nenhum momento a questão da doença mental. Com isso se perdeu uma oportunidade crucial para discutir um assunto que afeta a vida de tantas crianças e adolescentes.
 6. Não há exemplo de busca de ajuda bem-sucedida.
Um tema em toda a história é o silêncio. Nenhum dos adolescentes fala com seus pais, professores, funcionários ou qualquer um, nem um ao outro sobre seus sentimentos. Quando Hannah estava contemplando o suicídio e preparando as fitas, ela fez "uma tentativa" para pedir ajuda. Procurou o conselheiro da escola e como ele não apresentou habilidade e sensibilidade para compreender o que estava acontecendo com ela, deixando-a ir embora sem ajuda, ficou a mensagem de que uma ajuda efetiva é inalcançável. Que há uma coisa como "tarde demais" para ser ajudado. Depois de seu suicídio, seus colegas também não receberam ajuda. Vários personagens experimentam uma grande dificuldade emocional em lidar com as fitas, mas quando os pais e professores pedem que se abram, eles se negam.
 Bem mais útil numa Série que aborda o suicídio, e para os adolescentes, seria mostrar como pedir ajuda, como tratamento e aconselhamento para suas questões emocionais estão disponíveis - não que todos venham a aceitar. "Estou bem" é a frase com que os adolescentes marcam o fim de suas conversas.
Queria que um único personagem permitisse alguém intervir para brilhar alguma luz, para ser uma imagem de esperança, o que poderia ajudar a transformar uma narrativa de desespero e silêncio para uma que encorajasse a conversa e busca de ajuda. E não precisaria ser um exemplo do que fazer, mas apenas do que não fazer. Quando apresentamos uma situação cheia de falhas sem que apontemos os devidos caminhos para a mudança, em nada estamos ajudando para que a situação se modifique.
Não interpretem que eu considere a Série e o livro como ruins. A história age como um poderoso aviso de que devemos sempre estar cientes de como nossas palavras e ações afetam os outros. É histórias como estas que me lembram do trabalho que precisa ser feito na mídia envolvendo advogados, especialistas e pessoas com experiência para garantir que estaremos apresentando histórias que precisam ser contadas da maneira mais responsável e eficaz possível, junto com uma clara representação de que é possível obter ajuda e como obter ajuda.

Se você ou alguém que você conhece está lutando com as questões abordadas neste texto, por favor, procure a ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra e ligue para o número do CVV: 141.

Texto original: 6 Reasons I'm Not a Fan of '13 Reasons Why' / https://themighty.com/2017/04/thirteen-reasons-why-jay-asher-suicide-problematic/ By Alyse Ruriani

 Texto livremente traduzido e adaptado.