A
exibição pelo canal Netflix do seriado ‘13 Reasons Why’, já amplamente
divulgado pelos meios de comunicação, gerou intensa polêmica com uma quase
avalanche de artigos com opiniões de especialistas, ou não, sobre a validade da
exibição, na forma como foi produzido e abordado o tema central da série: o
suicídio de uma adolescente. E outra avalanche de comentários seguiram a
publicação desses artigos, com pontos de vistas favoráveis ou contrários aos
argumentos apresentados e defendidos nesses artigos.
Esse
texto também defende um ponto de vista e me vi na obrigação de escrevê-lo para
contrapor as ideias dos que foram contrários à exibição da série. Como um
estudioso do tema do suicídio, como um psicólogo que em consultório atende
preferencialmente pacientes com histórico de suicídio, por tentativas feitas ou
mesmo ideação, por ser um dos administradores de uma página do facebook (https://www.facebook.com/PrevencaoDoSuicidioBrasil/)
para onde convergimos a publicação de vários artigos sobre a série e recebemos
inúmeros comentários e mensagens, nos caberia tomar uma posição.
Os
contrários à exibição se baseiam num argumento central: o efeito Werter e a
ideia de que pode funcionar como um gatilho para adolescentes, ou qualquer
pessoa, mais fragilizados e que estejam vivenciando as questões abordadas na
série. Enfim, a série teria o efeito de um perigoso e trágico contágio,
estimulando outros ao suicídio e agudizando um problema que já é tão
extremamente grave.
Meu Deus! Eu pergunto: O que pode ser
mais grave do que está acontecendo hoje, aqui, agora? O que pode ser mais
trágico do que um suicídio ocorrendo a cada 40 segundos e uma tentativa de
suicídio a cada 3 segundos, no mundo? Isso se não levarmos em conta que as
estatísticas que indicam
causa morte de suicídio são bastante subestimadas. O que pode ser pior do que o
suicídio ser a segunda causa de morte entre adolescentes e jovens na idade de
15 a 29 anos e a terceira causa de morte entre crianças de 10 a 14 anos?
Veja
bem, são mães, pais, irmãos e irmãs, filhos e filhas, tios e tias, avós, amigos
e amigas, pessoas, pessoas e pessoas e não números frios que se somam
diariamente às estatísticas de suicídio. Ora, como podemos achar que a exibição
de uma série de TV que cruamente, concordo, aborda o tema possa exercer o papel
de tornar essa tragédia pior? Como podemos aceitar que essa situação possa
ficar pior? COMO PODEMOS ACHAR QUE AINDA NÃO ESTAMOS NA PIOR?
Sim,
é somente considerando que já estamos no fundo do poço e que já estamos no pior
mundo possível quando se trata do problema do suicídio é que podemos partir
para um outro enfrentamento da questão.
Até
aqui todas as estratégias utilizadas mostram-se limitadas. “De fato, algum tipo
de depressão é quase ubíquo naqueles que se matam. Cerca de 30 a 70% de pessoas que se
matam são vítimas de distúrbio de ânimo. A taxa é até mesmo mais alta quando a
depressão coexiste com o abuso de álcool e drogas. ” (Jamison, K. R., Quando a noite cai: entendendo o suicídio,
Rio de Janeiro: Gryphus, 2002). Então, para um indivíduo com um diagnóstico de
transtorno depressivo maior, apresentando alta ideação suicida, que chega ao
psiquiatra e ao psicólogo para tratamento, como podemos resgatar novamente sua
vontade de viver e ativar suas potencialidades de saúde?
Nossos
arsenais de guerra montados com a artilharia clínica da medicação pesada e da
psicoterapia, infelizmente, não têm tido grande alcance, e as estatísticas não
negam essa afirmação. Então, se a guerra está sendo perdida não seria mais
inteligente modificarmos essas estratégias de combate focada no tratamento,
para uma outra focada mais intensamente na promoção e prevenção?
O
dicionário Aurélio da língua portuguesa define a palavra promoção como: ato ou efeito de promover; elevação ou acesso a
cargo ou categoria superior; e o termo promover:
do latim, pro-movere, ir mais além, ir para a frente; impulsionar; acionar; dar
impulso a; trabalhar a favor de; favorecer o progresso de; fazer avançar;
fomentar.
Já
a palavra saúde à compreenderemos de
acordo como foi estabelecido pela Organização Mundial da Saúde em seu documento
de criação, que definiu saúde como “um estado de completo bem-estar físico,
mental e social, e não simplesmente como ausência de doenças ou enfermidades”.
Unificando estas duas definições poderíamos conceituar, então, promoção da saúde como um processo de
capacitação individual, que enfatiza o fomento dos recursos físicos,
psicológicos, sociais e espirituais da pessoa em direção à integralidade de sua
saúde.
O
que quero dizer é que séries, filmes, vídeos, livros, páginas do facebook, campanhas
na televisão, documentários, notícias, artigos que divulguem a temática do suicídio
– sempre dentro da lógica expressa pela OMS que esclarece como o assunto deve
ser veiculado na mídia, com bom senso ou com a consultoria de profissionais de
saúde – devem ser sim sempre comemorados e bem-vindos. Séries com ‘13 Reasons
Why’ podem funcionar muito bem dentro de uma estratégia de promoção da saúde e
de fomento à prevenção do suicídio. É urgente que campanhas de conscientização,
sensibilização e prevenção como é feito com assuntos como o abuso sexual
infantil, acidentes de trânsito ou violência doméstica se façam também para o
suicídio, e se multipliquem, ampliando o debate e conferindo maior visibilidade
ao assunto.
"Essa série coloca o problema na
sala de visita das famílias", diz Neury Botega,
professor da Unicamp e um dos maiores estudiosos do assunto, embora tecendo
algumas críticas, em uma entrevista para o jornal Folha de São Paulo. Ou seja, metaforicamente, retira o problema do
suicídio do quarto sombrio onde se isolam os que sofrem para a conversa da sala
de visitas. E isso é muito positivo.
Nós podemos criticar a série ’13
Reasons Why’ por suas falhas, que evidentemente existem. Nós podemos silenciar
e podemos desviar o olhar. Podemos desviar o olhar e solicitar que outros
também o desviem. Não assistam! Mas o suicídio que está lá sendo abordado não é
apenas o enredo de uma ficção exibida numa série de televisão, é um enredo trágico
que vem sendo repetido por pessoas reais, na vida real. E para o que acontece na
vida real em nada contribuímos ou modificamos, desviando o nosso olhar.
Se você ou alguém que você conhece está lutando com as questões abordadas neste texto, por favor, procure a ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra e ligue para o número do CVV: 141.
Se você ou alguém que você conhece está lutando com as questões abordadas neste texto, por favor, procure a ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra e ligue para o número do CVV: 141.
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