Para
início de conversa devo dizer que sou alguém portadora de uma doença mental e uma sobrevivente de tentativa de suicídio. Atualmente, eu sou uma advogada atuante
na área de saúde mental e futura clínica. Eu li o livro “Thirteen Reasons Why”,
agora transformado em filme, quando tinha em torno de 14 anos, no começo do
agravamento de meus quadros de depressão e pensamentos suicidas. Eu realmente
não gostei da leitura naquela época e do filme também, agora.
Eu
reconheço que essa história tem tocado muita gente e que tem fornecido conforto
e consolo para alguns. Sei que muitas pessoas estão realmente apreciando a
Série e incentivando outros a assisti-la e a ler o livro também. Compreendam
que eu não quero desencorajar aos que estão encontrando no filme elementos
que possam ajudá-los com seus próprios problemas, eu quero apenas esclarecer alguns
pontos negativos que a Série contém.
1. Ele simplifica o suicídio e
perpetua a ideia de que o suicídio de alguém tem um culpado.
Veja,
todos nós somos afetados pelo que fazemos e pelo que nos acontece. E às vezes,
o que nos acontece realmente é injusto, doloroso ou mesmo traumatizante. Não
estou dizendo que essas coisas não importam, porque elas nos afetam sim. Quando
confrontados com as coisas abordadas em '13 Reasons Why', como bullying, boatos
maldosos e estupro, elas afetam violentamente a nossa saúde mental. Mas não
podemos perpetuar a ideia de que há uma conexão direta e linear para o porquê de
um suicídio acontecer, apontando os dedos para os colegas, pais ou outros
indivíduos como diretamente responsáveis. Isso é prejudicial. O suicídio é uma
questão complexa e não pode ser compreendido colocando o ônus exclusivamente sobre
alguém. Às vezes, o suicídio não tem
outra razão senão a depressão intensa ou outra doença mental como a esquizofrenia,
transtorno de personalidade limítrofe ou transtorno bipolar. É perturbador ver
um suicídio retratado querendo que os outros se sintam culpados, em vez de se
concentrar nas emoções e pensamentos da pessoa e que a levaram a tirar sua vida.
2. Ele acrescenta combustível para a
fogueira dos mitos suicidas, como "todo suicida é um egoísta".
As
pessoas que acreditam nos mitos nocivos sobre o suicídio podem olhar para este
filme e dizer que ele confirma ou é uma "prova” do seu ponto de vista. O
fato de que Hannah, a garota que morre por suicídio na história, enviar fitas
pré-gravadas detalhando as razões (tanto os eventos quanto as ações das
pessoas) que a levaram ao suicídio são desconfortáveis. E deve ser. A moral da
história é que precisamos reconhecer que a forma como tratamos as pessoas as afeta
de maneiras que nem sequer sabemos. Isso é verdade. Mas o que é desconfortável é o suicídio de Hannah ser visto como uma
maneira de expor o que as pessoas fizeram com ela. Isso é bastante prejudicial
para ser feito postumamente, sugerindo que o suicídio era a única maneira de
fazer sua voz ser ouvida.
3. Desvaloriza experiências de
suicídio e intimidação.
Nós
temos visto repetidamente histórias sobre bullying que conduzem ao suicídio,
mas como exatamente isso ocorre? E qual mensagem essas histórias nos enviam?
Experimentar bullying é traumático e cada indivíduo lida com a intimidação a
sua própria maneira. Como diz a advogada de saúde mental e palestrante Alicia Raimundo:
"sua experiência de bullying é válida mesmo se você nunca tivesse sido
suicida e seus sentimentos de suicídio são válidos mesmo que você nunca tenha
sofrido bullying". O bullying não
causa suicídio diretamente. E a Série perpetua a falsa ideia de que o resultado
normal para bullying pode ser o suicídio - o que simplesmente não é verdade.
Isto não quer dizer que o bullying não afeta a saúde mental ou não tenha uma
grande influência sobre alguém se tornar suicida.
4. Desconsidera as diretrizes
oficiais sobre informações seguras e responsáveis sobre o suicídio.
Nós
sabemos que Hannah morre por suicídio. É a premissa da história e revelada
desde o início. A Série seria igualmente eficaz e impactante mesmo evitando
mostrar o retrato gráfico e detalhado do suicídio de Hannah, no último
capítulo. O que é uma violação direta do arco de pesquisas conduzido pela Fundação
Americana para a Prevenção do Suicídio e outras organizações de prevenção do
suicídio, quando eles consideram que: “O risco de suicídios adicionais aumenta
quando a história descreve explicitamente o método do suicídio, usa manchetes
dramáticas / gráficas ou imagens e a cobertura repetida / extensa sensacionalista
ou glamoriza a morte".
5. Não aborda a doença mental na
adolescência.
Nem todos os que morrem por suicídio
têm doença mental, mas um transtorno mental e / ou abuso de substâncias é
encontrado em 90% das mortes por suicídio. E quando se trata
de adolescentes, um em cada cinco tem (ou terá) uma grave doença mental. Com
essas estatísticas em mente, não é de admirar que o suicídio seja a terceira
causa de morte entre crianças de 10 a 14 anos de idade e a segunda entre jovens
de 15 a 34 anos. Claramente, estas são questões importantes e que precisam ser
abordadas. '13 Reasons Why' é um dos
primeiros e mais populares retratos da mídia sobre o tema do suicídio na
adolescência e não abordou em nenhum
momento a questão da doença mental. Com isso se perdeu uma oportunidade
crucial para discutir um assunto que afeta a vida de tantas crianças e
adolescentes.
6. Não há exemplo de busca de ajuda
bem-sucedida.
Um
tema em toda a história é o silêncio. Nenhum dos adolescentes fala com seus
pais, professores, funcionários ou qualquer um, nem um ao outro sobre seus
sentimentos. Quando Hannah estava contemplando o suicídio e preparando as
fitas, ela fez "uma tentativa" para pedir ajuda. Procurou o
conselheiro da escola e como ele não apresentou habilidade e sensibilidade para
compreender o que estava acontecendo com ela, deixando-a ir embora sem ajuda, ficou a mensagem de que uma ajuda efetiva é
inalcançável. Que há uma coisa como "tarde demais" para ser
ajudado. Depois de seu suicídio, seus colegas também não receberam ajuda.
Vários personagens experimentam uma grande dificuldade emocional em lidar com
as fitas, mas quando os pais e professores pedem que se abram, eles se negam.
Bem mais útil numa Série que aborda o suicídio,
e para os adolescentes, seria mostrar como pedir ajuda, como tratamento e
aconselhamento para suas questões emocionais estão disponíveis - não que todos venham
a aceitar. "Estou bem" é a frase com que os adolescentes marcam o fim
de suas conversas.
Queria que um único personagem
permitisse alguém intervir para brilhar alguma luz, para ser uma imagem de
esperança, o que poderia ajudar a transformar uma narrativa de desespero e
silêncio para uma que encorajasse a conversa e busca de ajuda. E não precisaria
ser um exemplo do que fazer, mas apenas do que não fazer. Quando apresentamos
uma situação cheia de falhas sem que apontemos os devidos caminhos para a
mudança, em nada estamos ajudando para que a situação se modifique.
Não
interpretem que eu considere a Série e o livro como ruins. A história age como
um poderoso aviso de que devemos sempre estar cientes de como nossas palavras e
ações afetam os outros. É histórias como estas que me lembram do trabalho que
precisa ser feito na mídia envolvendo advogados, especialistas e pessoas com
experiência para garantir que estaremos apresentando histórias que precisam ser
contadas da maneira mais responsável e eficaz possível, junto com uma clara
representação de que é possível obter ajuda e como obter ajuda.
Se você ou alguém que você conhece está lutando com as questões abordadas neste texto, por favor, procure a ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra e ligue para o número do CVV: 141.
Texto original: 6 Reasons I'm Not a Fan of '13 Reasons
Why' / https://themighty.com/2017/04/thirteen-reasons-why-jay-asher-suicide-problematic/
By Alyse Ruriani
Texto livremente traduzido e adaptado.
Eu entendi sua posição,porém em todo o tempo você generaliza e a série focou no bullying e suas consequências diante da omissão do fato por parte de todos os envolvidos.Em nenhum momento a história saiu da realidade e colocar questões como você citou,desviaria totalmente o objetivo da série,que aborda não somente o suicídio em si,mas outras muitas questões como o despreparo de pais em como lidar com a situação,a super proteção de alguns relacionado a certos personagens,a má conduta e muitas vezes,omissão por parte da escola,etc. Sim há outros fatores desencadeantes do suicídio além do bullying em si,mas em todo o texto se contextualiza de forma geral,abordando outras questões que foge ao objetivo e foco da série! Ela de uma forma muito realista expõe com clareza,os efeitos nocivos de tal ato!
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