domingo, 16 de maio de 2021

Médicos se formam incapazes de atender pacientes suicidas, aponta estudo

 

Resumo da notícia

  • > Pesquisa apontou que somente 0,5% dos estudantes de medicina são plenamente capazes de atender pessoas com ideação suicida.
  • > Apesar da limitação estatística devido à restrição geográfica, estudo acende alerta sobre falha na formação médica, segundo CFM.
  • > Entre 2009 e 2019, casos de suicídio cresceram 44,22%, segundo levantamento realizado no DataSUS.

Enquanto casos de suicídio crescem a cada ano no Brasil, um estudo publicado no início de 2021 pela RBEM (Revista Brasileira de Educação Médica) revelou que médicos estão se formando incapazes de atender pacientes que pensam ou tentam cometer suicídio.

A pesquisa reflete a experiência de pacientes como a estudante de letras Bianca*, 23, que aos 18 tentou se suicidar. Internada em casa, ela encontrou seus remédios, que estavam escondidos, e os ingeriu de uma vez. Ao descobrir, sua mãe a levou para o hospital, mas a médica de plantão a mandou de volta para casa e não lhe deu nenhuma orientação além da receita para que tomasse imediatamente mais um tarja-preta.

"Eu não conseguia andar. Estava dopada. Tiveram que me arrastar até o pronto-atendimento, mas a médica falou que eu estava lúcida e não tinha motivo para ficar internada", relembra a estudante. “Senti que não fui levada a sério. Era como se aquilo não fosse motivo suficiente para ter ido ao hospital”.

Ao conversar com sua psiquiatra no dia seguinte, Bianca descobriu que a falta de sensibilidade da plantonista não era sentimentalismo de sua parte. Um mês depois, ela ainda foi diagnosticada com hepatite medicamentosa, o que poderia ter sido evitado se o atendimento tivesse sido adequado, segundo sua nutróloga. "O certo era fazer uma lavagem estomacal e, se não desse mais tempo, eu devia ao menos ter ficado em observação", diz.

Falha na formação médica

A história de Bianca não é única. Entre 188 estudantes de medicina do 1º ao 6º ano que participaram da pesquisa publicada na RBEM, somente um deles, o equivalente a 0,5%, declarou ter plena capacidade técnica para atender um paciente com ideação suicida. Como o questionário permitia ainda respostas com concordância ou discordância parciais, 16% afirmaram ter habilidades limitadas para a tarefa, enquanto os incapacitados somaram 72,8%, e os que se consideraram neutros, 11,2%.

O estudo apontou ainda que somente 8,5% dos alunos são plenamente capazes de identificar e classificar comportamentos de risco suicida e 4,3% sabem realizar corretamente a notificação de tentativa ou concretização de suicídio, que é obrigatória e deve ser encaminhada pelo médico aos órgãos competentes em até 24 horas após o atendimento.

A pesquisa foi conduzida entre alunos da UEPA (Universidade do Estado do Pará). Ela tem limitações estatísticas devido à restrição geográfica, mas acende um alerta sobre uma falha na formação médica, de acordo com o psiquiatra Salomão Rodrigues Filho, do CFM (Conselho Federal de Medicina). A instituição se posiciona contra a abertura de novas escolas de medicina.

"O médico está cada vez mais despreparado. Com o aumento indiscriminado de novas faculdades de medicina e turmas imensas, cada vez temos mais dificuldade em preparar o aluno para estar atento à saúde mental. Além disso, tanto no sistema público quanto privado de saúde, o médico não tem tempo para ouvir o paciente. Ele quer chegar logo ao diagnóstico para fazer a prescrição de medicamento ou pedir exame e mandar o paciente retornar depois", diz o conselheiro.

Segundo levantamento do CFM a partir de dados do CNES (Cadastro Nacional das Entidades de Saúde), 77% das cidades brasileiras com faculdades de medicina não possuem leitos suficientes para o ensino prático dos alunos. A região mais deficitária é o Norte, onde, entre 32 escolas de medicina, somente uma está localizada em um município com preparo para uma boa formação. A região com melhor desempenho no levantamento é o Centro-Oeste, com 31,3% dos cursos localizados em municípios adequados.

"O médico generalista precisa ser capaz de rastrear suicídio no pronto-atendimento. Não é porque tenho um paciente aparentemente muito mais grave para ver em seguida que vou abreviar a entrevista com o outro", explica o conselheiro. "Não sou contra abertura de boas faculdades de medicina, mas de faculdades péssimas, que colocam no mercado profissionais incapazes".

Uma das autoras do estudo, a estudante Lívia Limonge, que cursa o 6º ano de medicina na UEPA, afirma que os resultados da pesquisa não surpreenderam, mas serviram de provocação para que seus colegas abram os olhos para o suicídio, que é a segunda principal causa de mortes entre jovens de 15 a 29 anos no mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).

"A grade curricular de medicina prevê que a gente discuta suicídio e saúde mental como um todo, mas isso não está necessariamente sendo cumprido. Suicídio ainda é um tabu mesmo entre médicos. Como é possível aprimorar a formação, se o assunto não é discutido? Vi minha formação refletida nos resultados desta pesquisa", diz Limonge.

No Brasil, em 2019, 13.520 pessoas se suicidaram, uma alta de 6,18% ante os casos de 2018. No acumulado da década, o aumento foi de 44,22%, segundo o Ministério da Saúde. Os dados de 2020 ainda não foram divulgados pela pasta, mas especialistas apontam chance de aumento, tal qual ocorreu em países como Japão, devido à instabilidade emocional provocada pela pandemia de covid-19.


*O nome foi alterado a pedido da entrevistada.

Pedro Martins / Colaboração para o VivaBem /06/03/2021 



Se você ou alguém que você conhece precisa de ajuda, ligue para o número do CVV: 188 e procure ajuda especializada de um psicólogo ou psiquiatra.



Fonte: https://www.uol.com.br/vivabem/noticias/redacao/2021/03/06/medicos-se-formam-incapazes-de-atender-pacientes-suicidas-aponta-estudo.htm



sábado, 15 de maio de 2021

Dinamarca e Suécia têm menos suicídios de homossexuais após casamento gay

 


Levantamento na Dinamarca e na Suécia associa legalização do matrimônio entre pessoas do mesmo sexo à redução de suicídios entre população LGBT. Mas gays ainda se matam mais frequentemente do que heterossexuais.

A legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo reduziu as taxas de suicídio entre homossexuais na Suécia e na Dinamarca, segundo um estudo divulgado nesta quinta-feira (14/11). Entretanto, a pesquisa aponta que gays e lésbicas divorciados, viúvos ou casados ainda são mais propensos ao suicídio do que heterossexuais.

O levantamento, realizado pelo Instituto Dinamarquês de Prevenção do Suicídio e pela Universidade de Estocolmo, comparou taxas de suicídio de cônjuges em casamentos do mesmo sexo e em matrimônios heterossexuais nos períodos de 1989 a 2002 e de 2003 a 2016.

O trabalho, publicado no Journal of Epidemiology and Community Health, revelou ter ocorrido uma queda de 46% na taxa de suicídios de homossexuais casados, contra 28% na de casais heterossexuais.

Os autores do levantamento acreditam que a redução do estigma entre as minorias sexuais pode ter contribuído para a queda nas mortes. A pesquisa foi baseada em dados oficiais de milhares de casais do mesmo sexo nos dois países, que estão entre os primeiros no mundo a legalizar o matrimônio gay.

"Ser casado protege contra o suicídio", diz a chefe do estudo, Annette Erlangsen, do Instituto Dinamarquês de Pesquisa para Prevenção do Suicídio. "Legalizar o casamento entre pessoas do mesmo sexo e outras medidas legislativas podem realmente reduzir o estigma em torno das minorias sexuais."

Entretanto, membros de uniões homossexuais ainda se mataram com frequência mais de duas vezes maior do que os membros de casamentos heterossexuais em ambos os períodos, reforçando pesquisas de outros países, que apontam para uma maior incidência de tentativas de suicídio entre pessoas LGBT.

O estudo analisou dados de mais de 28 mil cidadãos vivendo em uniões do mesmo sexo por uma média de 11 anos. Também constatou-se que lésbicas casadas tinham 2,8 vezes mais chance de se suicidarem do que mulheres em uniões heterossexuais, e ligeiramente mais chance do que homens heterossexuais casados. Já homens heterossexuais com parceiros teriam uma tendência maior de se matarem.

"Ainda existe um grau considerável de homofobia, particularmente contra homossexuais masculinos", ressaltou Morten Frisch, da entidade de pesquisa Instituto Statens Serum da Dinamarca. "Pouco menos de um em cada três homens ainda considera moralmente inaceitável que dois homens façam sexo um com o outro", afirmou, citando uma pesquisa com mais de 62 mil dinamarqueses divulgada em outubro.

Em 1989, a Dinamarca se tornou o primeiro país do mundo a permitir uniões civis do mesmo sexo. A Suécia seguiu o exemplo em 1995. O casamento gay foi legalizado na Suécia em 2009 e na Dinamarca, em 2012. Os dois países são vistos como líderes globais em relação aos direitos LGBT.

O casamento entre pessoas do mesmo sexo é legal em 27 países, 16 deles na Europa. O Equador se tornou a mais recente nação a entrar nesta lista, em junho. Com a decisão, o país se juntou, na América Latina, a Brasil, Argentina, Costa Rica, Uruguai e Colômbia, que também reconhecem os direitos civis dos homossexuais.

Os jovens LGBT têm pelo menos três vezes mais chances de tentarem suicídio do que jovens heterossexuais, de acordo com 35 estudos de 10 países coletados por pesquisadores em 2018. A legislação que promove os direitos LGBT pode contribuir para redução do risco de suicídio – mesmo para quem ainda não tem idade para se casar.

Tentativas de suicídio de estudantes do ensino médio dos Estados Unidos caíram 7% em estados que permitem o casamento do mesmo sexo – aponta um estudo de 2017 da Universidade de Harvard – e 14% entre os alunos que se identificam como lésbica, gay ou bissexual.

A DW evita noticiar suicídios porque há indícios de que relatos sobre o assunto podem levar a imitar tais ações. Se você enfrenta problemas emocionais e tem  pensamentos suicidas, não deixe de procurar ajuda profissional. 

No Brasil você pode buscar ajuda também por este telefone do CVV: 188



Texto original: https://www.dw.com/pt-br/dinamarca-e-su%C3%A9cia-t%C3%AAm-menos-suic%C3%ADdios-de-homossexuais-ap%C3%B3s-casamento-gay/a-51253368?maca=pt-BR-Facebook-sharing&fbclid=IwAR0XAtYgYkCgkc6VkDBi5BV4ye0-P8r5LXgIcvCHxUEJJURm_PHaAs8A6xE

Eu era Pastor quando quase me suicidei

 

Eu era pastor quando quase me suicidei. Eu tinha 28 anos, estava casado há cinco anos e era um pai orgulhoso de um pequeno bebê. Ninguém suspeitou que isso ia acontecer (geralmente, ninguém suspeita). Eu fui um estudante exemplar, nunca tratei os outros como estranhos e sempre me empenhei em fazer as pessoas ao meu redor se sentirem bem. 

Eu nasci pra ser pastor. Mas o que aconteceu, então?

SE NÃO TEMOS UMA TEOLOGIA QUE ABRACE A DOENÇA MENTAL, NOSSO DEUS É DEMASIADO PEQUENO.” - WILLIAM PAUL YOUNG

Eu fui criado como um bom membro da igreja Batista, e depois me tornei um Pentecostal devoto. Eu já tinha vivido as consequências do suicídio da minha tia 15 anos antes, e tinha ouvido coisas que as pessoas da igreja resmungavam baixinho no funeral dela. Eu ouvi a resposta do pastor à pergunta da minha mãe: “Quando alguém se suicida, vai para o inferno?” Eu vi equipes tentando expulsar demônios quando a depressão foi mencionada em uma chamada no altar. E eu ouvi cristãos bem-intencionados dizerem a essas mesmas pessoas chamadas para apenas “escolherem a alegria”.

Quando eu estava na faculdade de teologia, eu lutei com a ideia de que existe um demônio atrás de cada árvore. Eu conheci muita gente sofrida e elas não pareciam estar endemoniadas. E se corações partidos (ou cérebros partidos) são indicações de possessão de demônios, isso não incluiria um número enorme de pessoas? Eu amava minha tia e eu tinha certeza de que ela não estava endemoniada. Ela estava doente, exausta e desorientada. Ela estava com muita dor, assim como estão com muita dor 44.193 pessoas na América que morrem de suicídio a cada ano (AFSP.org).

A verdade é que eu passei a entender exatamente como a minha tia se sentiu por tantos anos. Eu era um pastor e queria morrer. Todo mundo pensou que eu estava no topo do mundo. Na verdade, eu estava era muito envergonhado pra confessar que eu sentia que o mundo é que estava com todo seu peso sobre mim. No dia 21 de setembro de 2012, um dia anterior ao primeiro aniversário do meu filho, meus segredos foram revelados. Minha vida estava em perigo numa UTI. Quando fui estabilizado, me mandaram para a ala psiquiátrica, seguido de aconselhamento intenso e terapia, e me deram novos medicamentos. Durante a minha recuperação, a minha pergunta principal era “Será que vou ter um lugar na igreja novamente?”

Quando pedi demissão da pequena igreja Batista onde estava servindo quando tentei me suicidar, eu não sabia o que ia acontecer com o relacionamento que sempre tive com a igreja. Eu acreditava firmemente que a Igreja de Jesus Cristo era a esperança do mundo, mas será que também era a esperança para um pastor que se sentia um fracasso? Para onde vai a pessoa que não se sente suficientemente homem, marido ou cristão o suficiente e não tem mais onde descansar seus fardos?

Em minha atividade anterior no ministério, conheci um pastor de adoração que também viajava com uma banda. Ele era sociável e gentil, e eu acreditava que ele realmente gostava de mim. Ele também era metodista. Reuni coragem para ligar para esse conhecido que virou amigo e nos sentamos no Starbucks enquanto eu desnudava minha alma. Tudo o que estava acontecendo. A vergonha, a vergonha e os segredos profundos, feios, que apodreciam sob a superfície por quase 30 anos.

Ele me convidou a ir pra igreja. Pela primeira vez, não fui convidado pra pregar ou por causa do meu dom musical. Eu fui convidado para uma comunidade de pessoas que iam me amar, no meio da minha dor. Esse meu amigo, ecoou as palavras de Jesus para mim, que vem de Mateus 11:28-30:

Venham a mim, todos vocês que estão cansados de carregar as suas pesadas cargas, e eu lhes darei descanso. Sejam meus seguidores e aprendam comigo porque sou bondoso e tenho um coração humilde; e vocês encontrarão descanso. Os deveres que eu exijo de vocês são fáceis, e a carga que eu ponho sobre vocês é leve.”

Ele não me deu um sermão. Ele não pregou pra mim. Ele não me disse para escolher a alegria. Ele nem mesmo trouxe sua Bíblia para o café. O que Ben ofereceu naquele dia foi um presente de amizade: um lugar seguro para descansar minha cabeça. Ele me deu a oportunidade de contar minha história com pura honestidade e sem medo de rejeição.

A minha família passou boa parte daquele ano na igreja do Ben, descansando. Nós nunca fizemos parte da liderança. Nós não oferecemos grandes atos de serviço. Assim como aconteceu no passado com minha tia, nós estávamos exaustos, quebrados e nos sentindo desorientados. E o que encontramos foi segurança, gentileza e aceitação.

Historicamente, pessoas com doenças mentais não são compreendidas dentro das Igrejas. Mas nós podemos mudar isso. Nós não precisamos que você, como membro, aja como nosso psiquiatra; ao contrário, espere e incentive que nós procuremos e tenhamos um. Nós não precisamos que você tente nos consertar. Nós nem precisamos que você nos entenda, apesar de que nos sentiríamos muito bem se você tentasse. O que nós precisamos é que você sente-se conosco quando estivermos tristes ou com dor ou quando não tivermos o que dizer. É bom que nos digam que Jesus nos ama, mas o que seria melhor é nos mostrar amor e aceitação. Nos diga “venha como estiver” e seja sincero. Uma coisa que as pessoas com depressão precisam é de um amigo.

Você é o tipo de amigo que realmente tenta entender? Você está disposto a sentar com alguém em crise ou sofrendo, por conta de seu distúrbio, sem julgamento? É o que queremos.




Se você ou alguém que você conhece precisa de ajuda, ligue para o número do CVV: 188 e procure ajuda especializada de um psicólogo ou psiquiatra.


Texto original: THE ONE THING DEPRESSED PEOPLE NEED by Steve Austin / https://medium.com/@rethinkchurch/the-one-thing-depressed-people-need-d810521e975d
Tradução livre e adaptada