sábado, 9 de junho de 2018

Então, você acha que suicídio é frescura? Sente-se aí, vamos conversar



É surpreendente percebermos o quanto somos produtos do momento histórico em que nascemos e da cultura em que somos criados.
Um mínimo contato com a maneira de ser de outros povos, buscando e obtendo informações sobre hábitos, valores, crenças, como pensam, em que acreditam, como se relacionam, nos remete a algo que não parece tão óbvio: o quanto somos condicionados na nossa maneira de pensar, de ser e viver pelo meio em que vivemos.
Se tivéssemos nascido durante o período histórico do Brasil Colonial, enxergaríamos a escravidão com a mais absoluta naturalidade, algo que hoje achamos um absoluto crime. O Brasil ocupa um lugar de destaque em população total de animais de estimação, sobretudo de cachorros, alguns países pelo mundo consomem carnes de cachorro na alimentação. Não consideramos minimamente a possibilidade de nossos familiares escolherem nossos futuros parceiros de casamento, mas grande parte de jovens hindus e muçulmanos no planeta outorgam a seus pais essa decisão. Homens heterossexuais no Ocidente não admitem andar de mãos dadas com outro homem pelas ruas, em Abu Dhabi só os homens podem andar de mãos dadas... são amigos, os homens não têm vergonha de demonstrar carinho um pelo outro.
Até mesmo a nossa fisiologia é determinada pela influência cultural, um exemplo é o sotaque. Não o percebia até mudar-me do Rio de Janeiro para Brasília e, como professor de História em uma escola particular, entrar numa sala de aula da 7ª série do ensino fundamental e ver os alunos solicitarem, várias vezes, que eu repetisse o tema da aula – naquele dia iniciávamos o estudo dos povos pré-colombianos: O Astecas, Os Incas e ao Maias. A cada vez que eu repetia, abaixavam a cabeça e riam gostoso à pronúncia acentuada do sotaque carioca, marcada pelo chiado do ‘s’ como se fosse ‘x’. Sotaque que continua dominante e é sempre reconhecido, embora já há tantos anos morando fora.
Mas o que tem isso a ver com a questão do suicídio? Tem a ver que permanecemos presos a uma maneira equivocada de abordar esse fenômeno, porque é perversa, contaminada de preconceitos e estereótipos a forma como o atual momento histórico em que nascemos e a sociedade em que estamos sendo criados concebe e enxerga o suicídio. E como somos produtos do meio é exatamente assim que encaramos as pessoas que têm pensamentos, que fazem tentativas e que se suicidam. De qual forma?
É fraqueza
É covardia
É para chamar a atenção
É falta de Deus no coração
Se é pra se matar porque não faz direito
É falta de ter o que fazer
Olhe ao seu redor… existem muitas pessoas em situações piores que estão lutando pra viver e você aí querendo morrer.
É coisa de gente maluca
Em nosso dia a dia repetimos e reproduzimos expressões como estas, porque é como fomos aculturados pelo meio em que crescemos a conceber o suicídio. Gritamos pula! Pula! Pula! Quando vemos alguém desejando (e não desejando, é imperioso que se saiba, pois, que a pessoa está num estado de ambivalência e o grito é sempre um estímulo cruel) saltar de um prédio. Até mesmo agentes de saúde, médicos e enfermeiros, dirigem-se com essas expressões a suicidas em convalescença em leitos hospitalares. Agentes cujo dever seria de auxiliá-los.
Veja! Ainda que eu sendo um psicólogo que lida com pessoas suicidas e constate o quanto essas observações os maltratem a ponto de se tornarem mesmo um fator indutor de suicídio, sobretudo quando pronunciadas por familiares ou outras pessoas significativas,  não considero que se deve apontar o dedo, quase que criminalizando aqueles que mantêm essas concepções sobre o suicídio. Como eu disse, somos produtos do meio. Reproduzimos os valores, as crenças, as verdades e as opiniões correntes da sociedade em que somos criados.
Porém, isso não quer dizer que não possamos mudar nossas concepções. Podemos, devemos e precisamos. Vejamos esses dados.

O suicídio mata mais do que muitas patologias e guerras

 A Organização Mundial da Saúde revela que o suicídio é a segunda maior causa de óbitos entre pessoas de 15 a 29 anos. Para muitos especialistas, o suicídio de jovens já ganhou os contornos de uma epidemia.

Esses números, 800 mil suicídios anuais, e,  considerando que para cada vítima cerca de 10 a 20 tentativas foram feitas ... podem ser muito maiores, segundo alguns pesquisadores. Há fatores como a  subnotificação e o problema dos suicídios que “se escondem” sob outras denominações de causa de morte, como, por exemplo, acidente automobilístico, afogamento, envenenamento acidental, overdose de drogas  e “morte de causa indeterminada” que indicam, muito provavelmente, que as estatísticas oficiais sejam bastante inferiores aos dados reais.
Estima-se que a depressão que afeta hoje 322 milhões de pessoas no mundo, até 2030 se torne a doença mais comum do mundo, sendo que a mesma é considerada a principal causa de suicídio no mundo.
Então, confrontados com a força assombrosa desses dados, você não acha que são números absurdamente grandes de mortes para receberem na certidão de óbito, como determinação de causa morte: frescura? 
Ao contrário, não estamos é diante de um fenômeno altamente complexo, um grande problema da psique individual, um desafio para a sociedade – o suicídio – a exigir de nós muito mais do que a resposta rápida, rasteira e preconceituosa que nos (de)ensinou a sociedade?
Não se afigura incoerente continuarmos a pensar e agir com as pessoas que têm pensamentos, que fazem tentativas e que se suicidam mantendo "aquela velha opinião formada sobre tudo"?
Se a resposta for SIM este texto alcançou a sua finalidade: a de começarmos a refletir, nos conscientizarmos e nos reeducarmos sobre o problema avassalador do suicídio  – pois bem diferente de outros problemas igualmente trágicos e avassaladores para a humanidade como o são as catástrofes naturais, as guerras e as epidemias, que acontecem, que vêm e que vão – o suicídio veio para ficar.


Se você ou alguém que você conhece está lutando com as questões abordadas neste texto, por favor, procure a ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra e ligue para o número do CVV: 188 ou 141.


2 comentários:

  1. Crónica de um suicídio falhado

    Todos nós, ao longo da vida, tivemos momentos de desespero, aos quais reagimos de formas diversas. Ausência, fuga, bloqueio mental, fobia social e inclusivamente, ideias mais ou menos suicidas.
    Nos últimos tempos da minha vida e devido a um conjunto de circunstâncias, passei por algumas dessas fases. Claro e devido ao facto de viver em sociedade, tentei sempre passar para o exterior uma imagem diferente, de boa disposição e algum humor. Não foi fácil, melhor, não é fácil.
    No passado fim-de-semana e depois de muito pensar, resolvi que era hora de acabar com esta situação. Planeei as coisas com mais ou menos pormenor, passando a escrito algumas coisas, agendei uns sms’s, para um familiar e uma amiga, para cerca de 36 horas depois. Tendo isto tudo preparado, escolhi na casa onde vivo, o local mais apropriado para o fazer.
    Escolhi a casa de banho. Meti uns lexotans no bucho, levei cigarros, isqueiro, cinzeiro, água e claro, um x-ato comprado na loja do chinês.
    Foram umas boas três horas sentado, de x-ato em punho, dando uns goles de água, até conseguir começar a cortar os pulsos. Todos nós já vimos nos filmes, quer o acto em si, quer o pós-acto e a coisa até não parece complicada. Foram umas horas angustiantes, até ganhar força para o fazer. Primeiro um golpe pequeno, depois outro e até começar a fazer a lâmina entrar na carne. Ao primeiro contacto com o sangue, a lâmina embotou. Fiz mais força, movimentei o x-ato como se estivesse a cortar pão e nada. Completamente embotada o raio da lâmina. É claro que, entretanto, dos golpes saia algum sangue. Deixei o pulso em paz e fui-me ao braço, na zona onde nos costumam tirar sangue para análises. O mesmo. Primeiro corte, saia algum sangue. Forçava e o raio da lâmina embotava. O sangue como não era muito, ia coagulando à medida que saía. E pensei, se isto fosse um filme, havia esguichos de sangue por todo lado. Porra, estava desesperado. Depois de horas sentado a tomar força para o fazer e nada. O pulso todo esfarrapado, o braço com vários cortes, o sangue a coagular e o raio do x-ato sem cortar. Muito amaldiçoei o raio dos chineses e dos técnicos de Hollywood. E foi aí que constatei aquilo que já sabia em relação a outros materiais comprados no mesmo tipo de loja. A porra dos chineses não sabem fazer as coisas e os americanos são uns exagerados e simplistas.
    Para a próxima compro um bisturi de aço alemão ou japonês.

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  2. Procure ajuda profissional:
    https://junior-batista-hipnologo-e-hipnoterapeuta.negocio.site

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