Aviso: discussão franca sobre suicídio.
Escrever sobre suicídio não é fácil. Venho
ensaiando esse post há algum tempo, mas nunca sei por onde começar. Com a minha
própria história? Como vivi em um poço de desespero que pode levar alguém a
realmente achar que tirar a própria vida é a solução? Ou começo com as
estarrecedoras estatísticas de suicídio? Tipo: a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio? Ou:
você sabia que METADE de TODOS os universitários contemplam o suicídio em
algum momento?
Nenhuma das opções me permitiria achar o registro
correto para falar de algo tão evasivo como o suicídio. Mas aí, na quarta
passada, recebi uma mensagem de texto que finalmente me deu a voz para falar do
assunto. E aquela voz estava muito irritada.
Eram 20h30, eu e meu marido estávamos no sofá
assistindo séries gravadas quando o celular apitou. Temos um acordo de tentar
não usar o celular depois de certa hora, a menos que estejamos esperando alguma
notícia. Se fosse só uma mensagem, teria ignorado. Mas a urgência de várias
mensagens chegando me fez descumprir nossa regra.
Era minha melhor amiga. Ela tinha acabado de
descobrir que uma conhecida dela tinha cometido suicídio (eu não conhecia a
pessoa). Minha amiga também não era muito próxima dela; tinham atuado juntas
uma vez. Uma amiga da minha amiga, mais íntima, contou a notícia e estava
devastada. Minha amiga estava no meio de um ensaio e não podia falar, mas
precisava contar para alguém que pudesse entender. Que pudesse ajudá-la a
consolar a amiga.
Apesar de ser um bastião de conhecimento sobre
saúde mental, fui pega no contrapé. Estava sem palavras. Não há como se
preparar para a notícia de um suicídio. Além de estar junto, ouvindo, dando um
abraço, não há muito como consolar um amigo ou familiar que esteja lidando com
esse tipo de perda.
O absurdo da situação é que, nos últimos dois
meses, soube de três suicídios (e não estou falando dos vários que foram
cobertos pela imprensa, como o de Leelah Acorn. Não conhecia pessoalmente nenhuma das vítimas.
Sempre é um amigo de um amigo, mas a notícia sempre parece um soco no estômago,
que me deixa sem ar e me leva às lágrimas. (Choro pela morte de desconhecidos
porque sinto solidariedade pelas pessoas que têm problemas mentais e porque sei
bem o que é esse buraco negro de tristeza.)
Mas, naquela quarta-feira, alguma coisa estava
diferente. Talvez porque minha melhor amiga estava perturbada, ou talvez porque
essa era a terceira pessoa. O fato é que eu estava puta da vida.
Estava puta porque alguém estava sofrendo tanto a
ponto de achar que precisava tirar a própria vida. Estava puta porque elas
estavam tão desesperadas que achavam que a morte era uma alternativa melhor que
a vida. Estava puta porque essas pessoas claramente não estavam recebendo a
ajuda que precisavam ou mereciam. Estava puta da vida que as pessoas diriam que
"jamais esperavam" algo assim. Estava puta porque o suicídio não
deveria acontecer, mas parece continuar acontecendo, se repetindo.
Apesar de todos os avanços na conscientização sobre
problemas mentais, o suicídio ainda é uma questão envolvida num manto de
silêncio e segredo. Ele às vezes é tratado como uma doença "contagiosa", como se você pudesse
contraí-la só de falar seu nome.
Talvez o "contágio do suicídio" se dê não
por causa do ato em si, mas porque ninguém queira falar do assunto. Ninguém
quer falar que talvez já tenha pensado em se matar, porque é desagradável e
mórbido. Ou talvez porque tenha um parente que cometeu suicídio e o assunto é
tabu. Ou talvez porque o suicídio só traga muita tristeza, mesmo que eles não
conheçam a pessoa.
Não há maneiras fáceis de falar de suicídio, porque
é difícil explicar como alguém possa pensar que a morte é uma solução viável
para seus problemas. Como alguém que já pensou seriamente em vários jeitos de
morrer, ainda tenho dificuldade de articular o suicídio. É uma questão complexa
e confusa porque vai contra um dos nossos instintos mais básicos: a
autopreservação.
A questão é que o suicídio nunca é sobre a morte,
mas sim sobre o desejo de que a dor acabe. É querer desaparecer. É querer que
seu problema, qualquer que seja, suma. Se você nunca lutou contra depressão,
ansiedade, síndrome do estresse pós-traumático, transtornos alimentares ou
qualquer outro tipo de doença mental, é difícil entender essa constante e
aparentemente interminável dor psíquica. É uma dor que te segue como uma sombra
quando você está acordado, uma assombração quando você está dormindo. Não há
como fugir.
Além disso, é difícil falar de suicídio por causa
dos mitos que cercam o assunto. Tenho certeza que algum pesquisador realizou
estudos com números, mas já passei por situações sociais o suficiente para
saber como as pessoas podem ser idiotas quando se trata de saúde mental e
suicídio.
Estava numa festa no verão passado quando a
conversa enveredou por esse tema: suicídio, autodestruição e saúde mental. Não
sei como ou quando começou a conversa, mas foi de repente. Me preparei para o
impacto.
"Dizem que é um pedido de ajuda."
"Eles querem chamar a atenção."
"Bom, dizem que pela direção dos cortes dá
para saber a diferença entre uma pessoa que quer se mutilar e um suicida."
"Quão idiota você precisa ser para cagar seu
próprio suicídio?"
"Entendo quando alguém pula na frente do metrô
- mas todo mundo sabe que tomar um vidro inteiro de analgésico só vai te deixar
doente."
Esses comentários foram disparados com o
acompanhamento de queijos e vinhos, diante de completos desconhecidos. Essa é a
estupidez e indiferença que acompanha as discussões sobre suicídio. Ignorância
e insensibilidade dominaram a conversa.
Permita-me desmistificar algumas coisas sobre
automutilação e suicídio: as duas coisas não estão intrinsecamente relacionadas. Só porque você se corta não quer dizer que você
queira se matar. Tentar o suicídio ou se mutilar não é um "pedido de
ajuda" e não é uma maneira de chamar a atenção. As pessoas que fazem esse
tipo de coisa estão doentes, como quem sofre de diabetes ou câncer, e
simplesmente não sabem lidar com seus sentimentos ou com o mundo em que vivem.
(A Associação Canadense de Saúde Mental derruba outros
mitos sobre suicídio.)
Isso foi o que tive vontade de falar naquela festa.
Mas, depois de aguentar aquelas palavras em silêncio, saí às lágrimas.
Não se trata de não falar de suicídio por acharmos
que ele vai ser contagioso, mas precisamos saber COMO falar do assunto.
Precisamos ter sensibilidade com nossa audiência. Precisamos ter consideração
pelas experiências dos outros. Precisamos ser gentis e compreensivos.
Suicídio desafia qualquer lógica e não é um assunto
fácil de abordar, mas precisamos falar do assunto. Ou então todas essas mortes
terão sido em vão.
Este
artigo foi originalmente publicado pelo HuffPost US e
traduzido do inglês.
http://www.brasilpost.com.br/marisa-lancione/suicidio-nao-e-contagioso_b_6533586.html
Se você ou alguém que você conhece está lutando com as questões abordadas neste texto, ligue para o número do CVV: 141 e, por favor, procure a ajuda profissional de um psicólogo ou psiquiatra.
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