domingo, 22 de janeiro de 2017

Quando Tristeza Profunda decidiu morrer


... Tristeza Profunda morava num reino de faz de conta, mas quando o encantamento acabou ela agora decidiu suicidar. Apareci diante dela na forma de um desconhecido inesperado e adverti que a morte é um ponto de vista equivocado. Olhei para o céu e lhe perguntei “de que são constituídas aquelas brancas nuvens? ”, respondeu “da água” e “aquele belo rio? ”, perguntei novamente, respondeu “água também".
Disse-lhe que “morre o rio” para “nascer a nuvem”, e que depois “morre a nuvem” e “renasce o rio”, mas que estas mutações em nada alteram a existência da água, apenas perambula por diferentes estados, surgindo, desaparecendo e ressurgindo aqui e ali. Ela compreendeu que os seres assumem, surgem e ressurgem em diferentes estados de existência, um após o outro, contudo, insistiu dizendo que se a morte não é um mergulho no nada, mas renascimento, então o suicídio traria a vantagem de finalizar uma existência sem valor, dando a chance de “começar do zero” em outra.
Aleguei que juízos de valores e comparação entre as pessoas são ilusões, um equívoco muito comum, pois a natureza não coloca etiqueta de preço nas pedras, nas árvores, nem nas estrelas, e que os bebês não recebem uma etiqueta de preços e sim uma certidão de nascimento, seguem assim pela vida: o gordo não vale mais que o magro, o sorridente não vale mais que tristonho, pois uma grande nuvem não vale mais do que uma pequena nuvem, são meras aparências.
Aleguei ainda que a ideia de “recomeçar do zero” é outra afirmação enganosa, há sim uma continuidade. Colhemos os frutos de nossas ações passadas e continuamos a jornada. No Budismo citamos que os seres são um fluxo, denominado “continuidade mental”.
Pedi à Tristeza Profunda que meditasse nesta parábola:
“Dois trabalhadores cultivavam os campos de uma fazenda. Ao fim do dia, o primeiro trabalhador devolve sua enxada quebrada e o campo mal cultivado, o outro trabalhador devolve sua enxada bem conservada e o campo cultivado. No findar do dia, o dono da fazenda aparece, é um homem justo, avalia a situação e recompensa a ambos.
O trabalhador descuidado fica com a enxada que danificou e algumas poucas moedas, o trabalhador cuidadoso fica com sua boa enxada, e recebe grande quantia em dinheiro. No dia seguinte, ambos recomeçam o trabalho a partir de onde pararam - cada um com seu salário e sua enxada”.
O dono da fazenda é a Lei de Causa e Efeito que dá a cada um, conforme aquilo que cultivou. O dia seguinte é a vida seguinte. Ambos reiniciaram o trabalho a partir de onde pararam no dia anterior, isto é, recomeçam e não começam do zero. As moedas representam as novas possibilidades, isto é, numerosas ou escassas.
O Buda disse: “a porta que está fechando nesta vida, está abrindo na outra vida, é como sair de um cômodo e entrar noutro cômodo no palácio da existência”. A morte é a porta do renascimento. De acordo com todos os iluminados morrendo constatamos que o conceito de extinção nunca passou de uma farsa e que não há um ponto final em nada, nem nas virtudes que conquistamos e nem nos problemas que causamos...
O corpo é um saco de pele com um amontoado de ossos e carne “amarrados” por nervos e músculos, já disse Nagarjuna. É a mente quem vive e anima o copo. Ela é imune a cortes, tiros, forca, afogamento, queimaduras e veneno. Desta forma, nem suicídio resolve os problemas de uma pessoa, bem como a sentença de morte não resolveria os problemas da coletividade humana. Matar as ilusões limparia nossas mentes, nos revelando a amplitude da vida, matar o corpo é multiplicar problemas.
Temos mãos não só para receber e ganhar, mas também para servir a todos os seres. É aí, enraizando nesses pensamentos um novo estilo de vida, que morrerão, um a um, os nossos problemas.

(Disponível em http://www.facebook.com/budismoeensinamentosorientais)





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