O sofrimento é uma realidade para todos nós. Independente de idade, sexo, classe social, raça, etc, o sofrimento, definitivamente atinge a cada um de nós. Sofrer é inerente à condição humana!
Em
seu texto O Mal-Estar na Civilização,
Freud destaca que o sofrimento nos ameaça a partir de três fontes:
1)
A partir do mundo externo, que nos ameaça com suas forças esmagadoras e
impiedosas: é o caso das tragédias naturais;
2)
A partir do corpo, que destinado à ruína, não pode evitar a dor e a angústia: é
o caso da morte e das mais diversas doenças;
3)
A partir dos vínculos com os outros seres humanos: esse conhecemos bem, pois é
o caso das “tragédias” provocadas pela multidão de nossos relacionamentos disfuncionais,
no ambiente de trabalho, nas relações amorosas, no casamento, com os filhos, com
a mãe, com o pai, com outros seres humanos e de toda ordem.
Como
psicólogos, parece que estamos mais diretamente metidos no ofício de tratar,
amenizar e, quem sabe, resolver, os sofrimentos oriundos das segunda e terceira
fontes. Constitui-se na nossa tarefa um combate diário, árduo, contra os
relacionamentos disfuncionais e os consequentes transtornos que causam nos
sujeitos; e um combate contra as desordens/doenças mentais, na forma das mais
diversas psicopatologias tais como as catalogam os manuais. É a nossa rotina. Psicoterapia
e fármacos tem sido as nossas mais potentes e principais armas.
Entretanto,
cabe interrogar se essa estratégia de combate focada no sofrimento não tem sido
uma estratégia equivocada. Diante do sofrimento o nosso foco não deveria se
voltar não para o combate ao sofrimento, mas para a promoção da saúde e o desenvolvimento
da sabedoria, como uma nova estratégia? Com essa nova estratégia, talvez, não alcançaríamos
melhores resultados?
Bem,
tenho pensado...
“A
jovem esposa de uma próspera família, de nome Kisa Gotami, perdeu o juízo em
consequência da morte de seu bebê. Apertando o corpinho frio em seus braços,
Kisa Gotami vagava pelas ruas, suplicando a todos os que encontrava que
recuperassem a saúde de seu filho que ela julgava “doente”.
-
Por favor, me dê um remédio para curar o meu filhinho!
Ela
tocava nas casas e era humilhada: As pessoas, impacientes, batiam a porta em
sua cara. Depois riam e comentavam:
-
Que mulher louca! Ela não está vendo que a criança está morta!
A
jovem ouvia o que lhe diziam, mas não queria acreditar.
-
Por que você não se mexe, meu filho? Eu quero você de novo andando e brincando
– pensava ela.
– Por favor, me dê um remédio para o meu
filho, ele não se mexe! Continuava em suas súplicas desesperadas.
Um
homem sensato se compadeceu da dor da mãe que não queria aceitar a morte do
filho e disse:
-
Eu não tenho esse remédio que você procura, mas eu posso indicar quem o tem.
-E
eu te suplico: me diga quem é!
-Você
precisa falar com Sakyamuni, o Buda.
A
mulher à beira da loucura foi ver o Iluminado e exclamou, chorando:
-
Senhor, meu filho estava brincando entre as flores e tropeçou numa serpente que
se enroscou no seu braço. Depois ficou pálido e silencioso. Não posso aceitar
que ele deixe o meu colo assim. Senhor, meu mestre, dá-me um remédio que cure o
meu filho.
O
Iluminado respondeu:
-Sim irmãzinha, há uma coisa que pode
curar teu filho e a ti, se puderes consegui-la, porque os que consultam os
médicos tomam o que lhes é receitado. Procura uma simples semente de mostarda
preta, porém só deves recebê-la de uma casa onde nunca tenha entrado a Morte.
Aflita,
a magra Gotami foi de casa em casa pedindo o grão de mostarda. As pessoas se
compadeciam dela e lhe davam a semente, porém, quando ela perguntava se já
tinha morrido alguém naquela casa, lhe respondiam:
-Ah!
São muitos as pessoas queridas que já morreram nesta família. Não nos lembre da
nossa dor.
Agradecida,
ela lhes devolvia a semente de mostarda que não serviria para preparar o
remédio e dirigia-se a outros que diziam a ela:
-Aqui
está a semente, porém já morreu minha esposa.
-Aqui
está a semente, porém o semeador morreu entre a estação chuvosa e a colheita.
-
Pode levar esta semente, mas saiba a morte levou a nossa filha antes da hora.
E
assim foi, o dia todo procurou, mas não encontrou nenhuma casa onde a Morte já
não tivesse passado. Nenhuma semente serviria para trazer o seu filho de volta.
No começo, achou que ninguém entendia a
sua dor. No decorrer do dia, percebeu que a dor da morte não era só sua. Muitos
sofreram com ela e ela sofreu ao ouvir histórias de pessoas que se foram, avôs,
avós, pais, mães, filhos, filhas, irmãos, irmãs, empregados, amigos, parentes e
até animais queridos.
Ela
entendeu a mensagem do Iluminado. Enterrou sozinha o seu filho, mas sabia que
era como se estivesse ao lado de muitos conhecidos e desconhecidos, dando o
último adeus ao menino.
Kisa
Gotami voltou até Buda, o Desperto, que lhe perguntou:
-
Encontrou a semente?
-
Não, Mestre.
-
Mas procurando o que não poderia encontrar, achaste um amargo bálsamo....
Enterraste o teu filho?
- Sim. Sobre o meu seio, o meu
menininho dormiu hoje o sono da morte. E eu só pude chorar sozinha.... De manhã
estava sozinha, no fim da tarde, ainda sozinha, percebi que havia uma multidão
comigo.
-
Agora sabes que, cedo ou tarde, todo mundo chora uma dor ou uma dor semelhante
à tua. ”
Nesse
pungente exemplo de um encontro transformador entre a figura do Buda e a atormentada
Kisa Gotami, vemos como uma profunda sabedoria é posta em ação na instrução
aparentemente simples que o Mestre lhe propõe. Ação que vai empurrando a jovem, lentamente,
indiretamente e com perfeita delicadeza à um movimento de necessária descoberta
e aceitação de uma situação que é comum a todos – a dor, a perda, a Morte –
dissipando o seu delírio e transformando o seu sofrimento.
Se você ou alguém que você conhece precisa de ajuda, ligue para o número do CVV: 141 e procure ajuda especializada.
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