domingo, 24 de julho de 2016

É hora de reconhecer e evitar a tragédia do suicídio de médicos


Rembrandt : A Lição de Anatomia do Dr. Tulp (1632) 

O suicídio entre estudantes de medicina e médicos tem sido um fenômeno em grande parte não reconhecido por décadas, obscurecido por segredo e vergonha.

Em um estudo de seis escolas médicas, cerca de 1 em cada 4 alunos relataram sintomas clinicamente significativos de depressão. Quase 7% disseram que tinha pensado em acabar com suas vidas nas últimas duas semanas.



Segundo um estudo do Conselho Federal de Medicina, o tipo de morte por causas externas descritas como causa básica de morte de médicos no Estado de São Paulo, de acordo com o gênero, revelou que suicídios ocorrem mais entre as mulheres médicas, representando 3,1% do total de óbitos, enquanto nos homens é de 1,6%. A população feminina de médicas tem uma alta taxa de suicídio, comparada à população geral feminina e mesmo à população masculina de médicos. 

Existe grande resistência por parte da população em aceitar que as mesmas pessoas nas quais confia sua saúde podem vir a ter doenças mentais.


Aqui vai a revelação de um segredo lamentável que a maioria dos estudantes de medicina não sabem, até que seja tarde demais: Os médicos são mais propensos a tornarem-se deprimidos, sofrerem de síndrome de burnout e morrerem por suicídio do que outros homens e mulheres na população em geral. Às vezes, a depressão e o suicídio são o resultado de problemas que surgem muito lentamente e vêm de longa data. Outras vezes, eles parecem vir do nada.
Um dos meus papéis na Northwestern University Feinberg School of Medicine, onde trabalho, é de médica ligado à saúde. Uma sexta-feira à tarde, recebi um telefonema de carácter urgente de um médico anestesista. Quando liguei de volta, ele me contou sobre uma cirurgia que tinha sido terrivelmente complicada na semana anterior - e como ele agora estava pensando em suicídio.
Ele é um residente sênior e tinha administrado anestesia a um jovem em um procedimento relativamente rotineiro. Seu paciente havia recebido alta e foi para casa no final do dia. Na manhã seguinte, o jovem foi encontrado morto em sua cama.
Meu colega, que tinha construído uma importante reputação ao longo de três décadas de prática, ficou devastado. Ele nunca tinha experimentado nada parecido com a morte deste paciente. Ele não conseguiu dormir naquela noite depois de receber a notícia, e não tinha dormido mais de duas ou três horas por noite desde então. Ele tem ido trabalhar todos os dias, mas tem tido dificuldades para comer e se concentrar em seu trabalho clínico. Disse que analisou o seu procedimento várias e várias vezes, tentando determinar o que, ou se alguma coisa, poderia ter sido feita de forma melhor ou diferente. E também falou que não conseguia parar de pensar na imagem da visão dos rostos dos pais chocados e de luto pela morte do seu paciente.
Com sua confiança profundamente abalada, ele questionou se  deveria continuar exercendo a medicina. Falou que se sentia isolado, apesar de alguma solidariedade recebida de outros colegas médicos e, acima de tudo, sentia-se profundamente envergonhado - do que, ele não tinha certeza.
Nós conseguimos que se licenciasse por uma semana, e começou a fazer terapia. Com a ajuda de alguma medicação para ajudá-lo a dormir, e ser capaz de processar sua experiência comigo, ele começou a se sentir melhor e já não tinha pensamentos suicidas.
A cada ano nos Estados Unidos, de 300 a 400 médicos morrem de suicídio - que é um por dia, ou o equivalente a duas classes de uma escola médica de grande porte. As médicas são 2,3 vezes mais propensas a morrer por suicídio do que outras mulheres na população em geral; médicos do sexo masculino, 1,4 vezes mais provável. A terrível verdade sobre o suicídio de médicos é que a grande maioria destas mortes são devido a uma depressão que não é tratada, o que significa que poderiam ter sido e podem, sim, ser evitadas.
Grande parte do estresse crônico que os médicos experimentam é devido à cultura da formação médica, a natureza do nosso trabalho e o stress imposto pelo ambiente de cuidados na área da saúde atual.  Trabalhamos diariamente com a tragédia humana, com a doença, morte e perda. Muitos de nós não têm um tempo livre de descanso emocional ou para analisar o que ocorreu, após eventos adversos ou a morte de pacientes. Em vez disso, simplesmente passamos para o atendimento ao próximo paciente. Não é à toa que mais da metade dos médicos relatam terem tido bournout.
Ainda mais preocupante, a maioria dos médicos que sofrem de esgotamento ou depressão não procuram tratamento. E embora sendo os que deveriam ter mais consciência, os médicos têm o estigma internalizado de longa data sobre o tratamento em saúde mental, acreditando que ele representa fraqueza e vulnerabilidade. Começando nas escolas de medicina, médicos em treinamento tendem a evitar tratamento em saúde mental por causa de temores sobre privacidade, confidencialidade, e como isso pode afetar negativamente sua autoimagem como médico e suas carreiras futuras. Tais atitudes persistem, e mesmo se reforçam, através dos anos e de suas carreiras como médicos.
É hora de reconhecermos que os médicos que passam tanto tempo de suas vidas cuidando das outras pessoas muitas vezes sofrem em silêncio e necessitam de cuidados, e intervenções eficazes seriam um bom remédio para todos nós.



Se você ou alguém que você conhece precisa de ajuda ligue para o número do CVV: 141 e procure ajuda especializada.


Texto original: It’s time to recognize and prevent the tragedy of physician suicide By JOAN M. ANZIA  / JULY 21, 2016.
Joan M. Anzia, MD, é uma psiquiatra da Northwestern Medicine e uma professora de psiquiatria e ciências comportamentais e médica, e dirige o programa de residência na Northwestern University Feinberg School of Medicine.
https://www.statnews.com/2016/07/21/suicide-physicians/
Tradução livre e adaptada


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